O MUSEU MILITAR DE LISBOA lançou há largos meses um série de exposições ligadas aos terríveis acontecimentos da presença portuguesa na Primeira Guerra Mundial, mais citada como Grande Guerra. Estas exposições decorreram e decorrem de um conjunto de convites dirigidos a conhecidos artistas (pintores, escultores, desenhadores) a fim de que concebessem intervenções plásticas adequadas, entre meses e meses, a homenagear os soldados recrutados para aquele conflito e aqueles, famílias e sobretudo mulheres, então deixados no país, tratando das casas e dos filhos, laborando pelos maridos em lugares de diferentes técnicas , fábricas, pequenas e médias empresas, por vezes tarefas pesadas, solitárias, no zelo, horas e horas, pelo bom funcionamento de uma linha de fabrico, a par de escritas estimadas e directas na bruma dos dias.
As obras foram solicitadas, nas condições existentes, em termos de livre concepção, embora envolvendo temas, assuntos e instalações capazes de suscitarem ideias sobre os que ficaram em Portugal e a dura entrega àquele tremendo conflito entre as nações beligerantes, como a Alemanha, a França, o Império Britânico, Itália, Portugal, além de outros, alucinação global do poder, geografias, imperialismos.
No momento que passa ainda está presente umas das mais sensíveis das exposições integradas naquele Museu e convocando memórias, derrotas sem nome, perdas de milhões de vidas. A proposta assinalada vem de um trabalho plural, da pintora Isabel Sabino, com um insólito processo de sinalização memorialista. Os objectos convocados, comparados, sobrepostos ao visível e ao invisível, mostram tudo sob uma tonalidade avermelhada, certamente a simbolizar o oceano de sangue derramado, as grandezas e desastres sem nome, o sacrifício das populações de longínquas rectaguardas. E também o trabalho redobrado, infinita justaposição de figuras femininas, muitas delas viúvas antecipadas mas empenhando a sua crença na força capaz de evocar a salvação, um distante amanhecer da paz e das reconstruções.
A nós é-nos pedido um olhar empenhado, a vontade de aprender ou reaprender o fio em sombra daqueles tempos, imagens fotográficas que nos mostram a morte e as máquinas do apocalipse— todo um material que inclui revistas e livros em vitrines, a perspectiva museográfica de testemunhos relativos às horas de cansaço e mágoa. Aquilo a que podemos chamar transversalmente efeitos das «salas de guerra», um tema, uma legenda, a desconstrução vastíssima de sociedades inteiras, a ideia dos vivos e dos mortos, nem seque muito longe.
Não é fácil enfrentar a rasura dorida da solidão. E esse ou esses sentimentos eram sobretudo partilhados entre mulheres. Se elas trabalhavam num estado de ordem, por vezes após alucinações, algumas sofriam contra toda a esperança o comunicado da morte de um filho ou do marido. Máquinas paradas, minutos de silêncio. E além, na outra ponta da cidade, ainda muitos dos homens mais velhos não recrutados operavam a inútil conservação das armas, das peças de artilharia que nunca teriam tempo para chegar à zona das trincheiras, abrindo fogo ao espaço, procurando resgatar os últimos soldados, os feridos e a própria terra de outros.
Este esboço de um fragmento da História em que também participamos deve servir para escutar a nossa mente e ter decisões justas perante os países europeus a viver ataques islamitas e pente um mundo tecnológico em vias de se perder em derivas feitas de dinheiro e de sangue, enquanto as crianças morrem mais do que nunca; porque a vida, hoje, corre o mundo a traficar-se das formas mais ignóbeis.