Na sequência de um acidente de viação, a privação de uso de veículo será por si só um dano indemnizável à semelhança dos demais danos que porventura se verifiquem decorrentes do acidente?
Normalmente as seguradoras exigem a prova de prejuízos sofridos com a paralisação do veículo sinistrado para aceitarem pagar indemnização a esse título. Isto é, caso a pessoa não consiga provar que da privação do seu veículo resultou para si um prejuízo concreto e quantificável, recusam indemnizar, porquanto, assim sendo, não existindo esse prejuízo, nada existe a indemnizar. O mesmo é dizer que só por si a paralisação do veículo, sem mais, não é considerado um dano indemnizável. Isto na perspetiva das seguradoras.
Também até há não muito tempo atrás, os próprios tribunais consideravam que a paralisação do veículo, naquelas circunstâncias, traduzia-se em meros incómodos, não tutelados pelo direito, pelo que não deveriam ser indemnizáveis. Durante muito tempo prevaleceu na jurisprudência o entendimento que fazia depender a obrigação de indemnização, da prova de uma efectiva perda de receitas que os bens poderiam proporcionar ou da comprovação de um acréscimo de despesas resultante da paralisação do veículo, considerando-se, portanto, a mera privação como mero incómodo que não constitui por si só um dano indemnizável.
Contudo, ultimamente os tribunais têm vindo a alterar esse entendimento no sentido de que a privação do uso de um bem, designadamente, um veículo automóvel, durante um certo período de tempo, constitui, por si só, um dano indemnizável, uma vez que, ainda que porventura mínimo, sempre existe um efectivo prejuízo no património da pessoa decorrente da paralisação do seu veículo, porquanto, é parte integrante do património o direito de utilização das coisas próprias. Sob este ponto de vista, se faz parte do património de uma pessoa o direito de utilização das suas coisas, no caso, um veículo, então, sendo coarctado esse direito de utilização do veículo durante um certo lapso de tempo, necessariamente o seu património é afectado ou lesado, e é uma lesão que pode ser avaliada em dinheiro.
Concluindo, a mera privação de uso de veículo, mesmo sem prova de um prejuízo resultante dessa privação, constitui, por si só, um dano indemnizável. Com efeito, sendo a utilização de um bem uma vantagem patrimonial, logicamente, a privação dessa utilização constitui uma desvantagem patrimonial, e, como tal, a desvantagem deve ser ressarcida. E isto, mesmo sem prova de quaisquer perdas concretas, pois o que está em causa no âmbito deste dano é a própria indisponibilidade da viatura.
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Façamos algumas considerações sobre a palavra “veículo”.
“Veículo” veio do lat. “vehiculum” e este do verbo lat. “vehere”, arrastar, puxar, levar, transportar.
Não é por acaso que, de um modo correcto, o Inglês grafa “vehicle”, o Francês “véhicule” e o próprio Espanhol “vehículo”.
Só em Portugal é que meia dúzia de “iluminados”, desprezando o aspecto etimológico, o qual, à maneira de uma âncora, mantém a Língua ligada às suas raízes e lhe confere a sua verdadeira identidade, têm resolvido, por via administrativa, desde 1911, de tempos a tempos, truncar, corromper e abastardar o Português com os sucessivos abortos dos Acordos Ortográficos, que mais não são do que meros entorses da nossa Língua, que encontram sempre, infelizmente, muita gente a segui-los, uns por boa fé e outros por uma opção, que não será propriamente muito lisonjeira para os mesmos.
Para as poucas pessoas que, eventualmente, desconheçam, recorde-se que,
na própria palavra “etimologia”, o elemento grego “etymon” significa “verdadeiro” e “logos”, estudo.
Uma das formas verbais do lat. “vehere”, “vectum”, deu “vector”, segmento de recta e “invectiva”, injúria.
Devemos a “vectum”, ainda, o nosso verbo “vexar”, ultrajar, injuriar, do lat. “vexare”, forma frequentativa do lat. “vehere” (entenda-se, da sua forma “vectum”, na qual o grupo “- ct – “ evoluiu para “- cs – “ e, depois, para “- x – “.
Donde, também, o adjectivo “convexus”, ( lat. “cum”, em conjunto com + lat. “vexus”, puxado, arrastado) arredondado para fora, ou seja, em que uma das pontas como que foi “puxada”.
As palavras acima assinaladas resultaram da raiz ancestral comum indo-europeia, “wegh-” (“transportar em carro”), da qual recebemos também “via”, caminho (pela forma intermédia “wegh – ya” ), assim como os seus vários compostos, sejam verbos, como “desviar”, “obviar” ou adjectivos, como “óbvio”, “trivial” e outros.
O sentido que actualmente
atribuímos à palavra “ trivial ” (do lat. “trivialis” ) é diverso do da sua acepção literal, visto que provém do lat. “trivium” ( lat. “tri”, três + lat. “via”, caminho), ou seja, era utilizado pelos Romanos para designar o local onde confluíam as três principais vias de acesso à cidade de Roma, onde se encontravam viajantes, vindos de partes diferentes do Império, que não se conheciam e, ao encontrarem-se, mantinham conversas, breves, superficiais e de pouca importância, numa palavra, triviais.
Daí, o fenómeno semântico que ocorreu e que a palavra apresenta, na actualidade.
Da mesma raiz indo-europeia “wegh-“, recebemos outras palavras, como “viático” (do lat. “viaticum”), a derradeira comunhão prestada aos enfermos ou, etimologicamente, qualquer alimento que se leva numa viagem.
“Viagem” é outro termo óbvio da mencionada raiz, com origem no lat. “viaticum”, através do provençal “viatche”, donde, o fr. “voyage” e o ital. “viaggio”.
Também o nosso termo “comboio”
tem a sua origem no lat. tardio “conviare” (lat. “cum”, em conjunto com
+ lat. “via”, caminho), cuja formação veio através do fr. “conviare” e “convoyer”, de que resultou a forma deverbal “convoi”, donde, o nosso “combóio”.
Não será difícil percebermos que, da mesma raiz indo-europeia “wegh-”, o Inglês recebeu o seu “way”, caminho e o Alemão os seus “Weg”, caminho e “Wagen”, carro, donde, o nosso “vagão”.
A propósito de “Wagen”, quem não conheceu o icónico “carocha”, o carro que, logo após os anos cinquenta, encheu as nossas estradas ?
Foi, porventura, a única criação decente que se ficou a dever a Hitler, carro a que os alemães apelidaram de “Volkswagen” (do al. Volk, povo + al. Wagen, carro, isto é, literalmente, “o carro do povo” ).
O modelo “carocha”, na Alemanha, democratizou o acesso à posse de um automóvel, tal como o Modelo T da Ford, nos EUA, nos primeiros anos do século.
Permita-se-me notar, a talho de foice, que, nas palavras alemãs de origem germânica,
a pronúncia da letra “ V-“ se faz como o nosso “ f ”, enquanto a da letra “ W- “ soa como o nosso “ v “.
Confira-se com “folclore”, estudo das tradições do povo, termo recebido do ing. “folklore”, que remete para o al. Volk, povo + al. – lore (este, através do al. Lehre, ensinamento, estudo, ciência, que, por sua vez, deu o al. Lehrer, professor).
Quanto ao “ – o – “ do al. “Volk”, é aberto, devido à sua posição antes de duas consoantes.
Já o “ – o – “ do al. “Boden”, chão, solo, é fechado, porque está antes de uma única consoante.
Estas são algumas regras básicas de pronúncia indicadas nas primeiras aulas do ensino do Alemão.
Refira-se ainda que, em Alemão, o “ g “ mantém sempre o som gutural (do lat. “gutturis”, garganta), antes de todas as cinco vogais, como nos exemplos de “Wagen”, “Ângela” (Merkel) ou “Gift”, veneno, ao contrário do “ g “ Português que, antes das vogais “ e “ e “ i “, usa o som palatal (do lat. “palatum”, céu da boca), como em “gelo” ou em “girar”.