Parábola sobre a Idade da Razão

Nascer e crescer fazem parte de duas das mais complexas situações da Natureza. Os sons e as imagens ganham dia a dia maior nitidez e mobilidades selectivas nos polos receptivos do pequeno ser. Os principais símbolos que adquirem maior consistência nos tempos iniciais da consolidação do ser humano, ainda que dependam da grande selectividade física de especiais alentos a emergir, começam desde muito cedo a codificar o mal e o bem, escolhas por vezes compulsivas e sem sentido.
A actividade das crianças torna-se rapidamente muito agitada nos fluxos miméticos e dinâmicos, certamente quando a gestualidade assenta, precoce, nas atitudes do bípede, crescendo em composições estruturantes mais avançadas e plurais. Depois acentuam-se na corrida e no teimoso ganho de escalas competitivas. As paragens ou as pausas, eventualmente por algum efeito de surpresa, por um sobressalto qualquer, podem corresponder a um breve suco do pensar diante de certa percepção inusitada.
Se a criança pára, se fica a olhar numa determinada direcção, um animal que o fita, um cão que de súbita ladra, tudo depende da sua idade e dos seus níveis de experiência, percepção, memória auditiva e visual. Momentos destes, perto de um familiar ou por aventura solitária, causam pulsões de medo, de expectativa, ou, contrariamente, de alegria perante a revelação do latido, do olhar do cão, das sensações interiores por cada nova revelação. A esta cronometragem da surpresa e da descoberta, entre relações pensantes, chamou um dia Sartre «A Idade Razão.» Já foram sugeridas notas sobre esta história. Resultou de uma cena contada num dos livros do escritor francês — instante em que surge um garoto numa porta da casa e Sartre faz-lhe uma pergunta para a qual não esperava resposta. Mas o pequeno respondeu correctamente. A pausa encheu o espaço e Sartre disse por dentro a sua própria cabeça: “Aquilo pensa”.

Ninguém sabe quantos anos passaram desde aquele episódio e os dias de hoje. Um português emigrado em França viajou para Coimbra, com um grupo de trabalhadores e estudantes amigos, para assistir a uma sessão, depois do 25 de Abril de 74, em que Sartre fez questão de participar.
Na idade da razão, olhamos e vemos o real. Mas não basta isso para ser, pensar uma escolha e responder aos outros pela percepção da coisa vista:

«É um cão. Mas este cão é parecido com uma pessoa.»

Esta espécie de parábola mostra-nos como criamos o mundo e como lhe aplicamos um sentido. Paul Klee dizia: «A arte não reproduz o real, torna-o visível.»

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