Durante o mês de Março, decorrem, em S. Bartolomeu de Messines, as comemorações do 186º aniversário do poeta e pedagogo João de Deus, natural desta vila, nascido a 8 de março.
As comemorações incluem atividades muito diversificadas, as quais são organizadas pela Câmara Municipal de Silves, Junta de Freguesia de S.B. Messines e várias associações e coletividades locais.
Programa
“Vestindo as Árvores”
Centro Cultural e Social João de Deus
Org: Centro Cultural e Social João de Deus
5 de março
Percurso Pedestre «Há poesia no penedo»
Ponto de encontro: Escola EB1 de SB Messines / 15h
Org: Município de Silves
Parceiros: Grupo de Teatro Penedo Grande, Junta de Freguesia de São Bartolomeu de Messines
Mini – Concerto de Primavera, pela Orquestra ORFF Jardim Escola João de Deus (JEJD)
Casa Museu João de Deus /15h30
Org: Jardim Escola João de Deus
Apoio: Município de Silves
6 de março
Grande Prémio de Atletismo “Carlos Calado”
SB Messines / 9h
Org: Casa do Povo de S. Bartolomeu Messines (SBM)
Parceria: Associação de Atletismo do Algarve
Apoio: Município de Silves e Junta de Freguesia SBM
7 de março
Ciclo de Memórias «Cartilha maternal, conversas à solta» – Partilha de Memórias sobre a cartilha maternal e o pedagogo João de Deus
Centro Cultural e Social João de Deus /10h30
Org: Município de Silves
de 8 de março a 8 de abril
“Fábulas de João de Deus” – Trabalhos dos alunos das Escolas EB1 de São Bartolomeu de Messines, Amorosa e Portela
Na Casa Museu João de Deus ;10h – 13h I 14h30 – 18h (dias úteis)
Org.: Escolas EB1 de São Bartolomeu de Messines, Amorosa e Portela
8 de março
Romagem à estátua João de Deus
10h / Org.: Jardim Escola João de Deus
Inauguração do busto do Dr. Francisco Neto Cabrita – Médico que se destacou ao serviço da comunidade messinense
Rua Dr. José Francisco Viseu
15h00 / Org.: Junta de Freguesia de SB Messines
de 8 a 30 de março
V Concurso de Poesia “João de Deus Vida e Obra”
Org.: Jardim Escola João de Deus
Público-alvo: pais dos alunos do Jardim Escola João de Deus
8 e 9 de março
Curso de Escrita Criativa I “Da Leitura à Arte da Escrita” | “Narração e pontos de vista narrativos”, por Domingos Lobo
Escola Secundária de Silves
Org.: Município de Silves / Parceria: Projeto formativo e educativo – João de Deus
9, 16, 23 e 30 de março
Oficina “1º Laboratório Experimental” – A natureza poética João de Deus
Casa Museu João de Deus / 15h30
Org.: Município de Silves
9 de março
“ O Gigante Egoísta” – Peça de Teatro Infantil
Pavilhão da Casa do Povo de Messines / 10h30 / 14h30
Org.: Casa do Povo de São Bartolomeu de Messines
Entrada: 3€
11 de março
Conversa / Debate “A Cartilha Maternal e os métodos de aprendizagem” – 140.º aniversário da 1.ª edição da Cartilha Maternal – Perspetivas e desafios
Participações: Prof.ª Sílvia Lourenço (Escola Eb 1 de São Bartolomeu de Messines), Prof.ª Sandra Nunes (Escola Eb 1 de Silves), Educadora Suzete Candeias e Prof.ª Sara Serrão (Jardim Escola João de Deus)
Casa Museu João de Deus / 21h00
Org.: Município de Silves / Parceria: Jardim Escola João de Deus, Agrupamento de Escolas de Silves
Entrada Livre
12 de março
“A criação da Universidade do Algarve”
Abertura de exposição e palestra pelo Prof. Teodomiro Neto
Junta de Freguesia de São Bartolomeu de Messines / 16h
Org.: Junta de Freguesia de São Bartolomeu de Messines
Entrada Livre
18 de março
Peddy Papper “João de Deus”
Org.: Escola EB 2,3 de São Bartolomeu de Messines
19 de março
“Messines, João de Deus e seus amigos”
Sociedade de Instrução e Recreio Messinense / 15h
Org.: Sociedade de Instrução e Recreio Messinense
Apoio: Junta de Freguesia de São Bartolomeu de Messines e Grupo de Teatro Penedo Grande
Entrada Livre
Já tenho treze anos,
Que os fiz por Janeiro:
Madrinha, casai-me
Com Pedro Gaiteiro.
Já sou mulherzinha;
Já trago sombreiro;
Já bailo ao domingo.
Co’as mais no terreiro.
Já não sou Anita,
Como era primeiro,
Sou senhora Ana,
Que mora no outeiro.
Nos serões já canto,
Nas feiras, já feiro,
Já não me dá beijos
Qualquer passageiro.
Não quero o sargento,
Que é muito guerreiro,
De barbas mui feras,
Olhar sobranceiro.
O mineiro é velho;
Não quero o mineiro;
Mais valem treze anos
Que todo o dinheiro.
Tão-pouco me agrado
Do pobre moleiro,
Que vive na azenha
Como um prisioneiro.
Marido pretendo
De humor galhofeiro,
Que viva por festas,
Que brilhe, em terreiro;
Da parte, madrinha,
Por Deus, vos requeiro:
Casai-me, hoje mesmo
Com Pedro Gaiteiro.
Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim.
Será chuva ? Será gente ?
Gente não é, certamente
E a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho …
Quem bate, assim, levemente,
Com tão estranha leveza,
Que mal se ouve, mal se sente ?
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria …
– Há quanto tempo a não via !
E que saudades, Deus meu !
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho …
Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança,
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pezitos de criança …
E descalcinhos, doridos …
A neve deixa inda vê-los,
Primeiro, bem definidos,
Depois, em sulcos compridos,
Porque não podia erguê-los !…
Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim !
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor ?!…
Porque padecem assim ?!…
E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
E cai no meu coração.
Era uma vez uma velhinha,
Quase cega coitadinha,
E já mal podendo andar.
Sempre olhando para o chão,
Encostada ao seu bordão,
Ia na estrada a passar.
Ouvindo um cão que ladrou,
A pobrezinha parou
Olhando em volta assustada.
Quis fugir.
Não conseguiu.
Tentou correr, mas caiu
A pobrezinha coitada.
Nisto, surge uma menina linda,
Viva, formosa e ladina,
Que ao vê-la cair no chão,
Correu logo, pressurosa,
Condoída e carinhosa
E à velhinha deu a mão.
Eu a levanto, avozinha
E a levo à sua casinha
Diga o que tem, que lhe dói ?
Que eu vou agora buscar
Qualquer coisa para a curar.
Vou pedir à minha mãe
Não foi nada, meu amor,
Tu és um anjo, uma flor.
Ajuda-me só a andar.
Deus pague a tua bondade
Com muita felicidade
Disse a velhinha a chorar.
NOTA : Na poesia “A Velhinha”, solicito o obséquio, como tinha, aliás, pedido, que, no verso da terceira estrofe, ( “Nisto, surge uma menina linda,”), seja apagada a palavra “linda”, que está a mais e, como será fácil de ver, perturba a cadência musical do poema.
Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso, dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, ‘inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpureo, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas.
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?
Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.
Chamo aos gritos por ti – não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto – sinto frio.
Ou és outra ou me enganas ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.
Mãe:
Abre os olhos, ao menos, diz que sim !
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim !
SÊ PACIENTE; ESPERA QUE A PALAVRA AMADUREÇA E SE DESPRENDA COMO UM FRUTO AO PASSAR O VENTO QUE A MEREÇA.
É possível que a poesia seja ficção, mas eu prefiro pensá-la como Goethe: inseparável da verdade.
A INFÂNCIA, NO POETA, JAMAIS SE EXTINGUE.
TALVEZ, POR ISSO, ELES SEJAM TÃO VULNERÁVEIS, OS POETAS.
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente…
Cala: parece esquecer…
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca… o eco dos teus passos…
O teu riso de fonte… os teus abraços…
Os teus beijos… a tua mão na minha…
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…
Senhores jurados, sou um poeta,
Um multipétalo uivo, um defeito
E ando com uma camisa de vento
Ao contrário do esqueleto.
Sou um vestíbulo do impossível, um lápis
De armazenado espanto e, por fim,
Com a paciência dos versos
Espero viver dentro de mim.
Sou, em código, o azul de todos
(curtido coiro de cicatrizes),
Uma avaria cantante,
Na maquineta dos felizes.
Senhores banqueiros, sois a cidade.
O vosso enfarte serei.
Não há cidade sem o parque
Do sono que vos roubei.
Senhores professores, que pusestes
A prémio minha rara edição
De raptar-me em crianças que salvo
Do incêndio da vossa lição.
Senhores tiranos, que do baralho
De em pó volverdes sois os reis.
Sou um poeta, jogo-me aos dados,
Ganho as paisagens que não vereis.
Senhores heróis até aos dentes,
Puro exercício de ninguém,
Minha cobardia é esperar-vos
Umas estrofes mais além.
Senhores três quatro cinco e sete,
Que medo vos pôs na ordem ?
Que pavor fechou o leque
Da vossa diferença enquanto homem ?
Senhores juízes, que não molhais
A pena na tinta da natureza,
Não apedrejeis meu pássaro,
Sem que ele cante minha defesa.
Sou uma impudência, a mesa posta
De um verso onde o possa escrever.
Ó subalimentados do sonho !
A poesia é para comer.
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo amor ?
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que já as frequências suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De Amor não vi senão breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
Busque Amor novas artes, novo engenho
Para matar-me e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde;
Vem não sei como; e dói não sei porquê.
Alegres campos, verdes arvoredos,
Claras e frescas águas de cristal,
Que em vós os debuxais ao natural,
Discorrendo da altura dos rochedos;
Silvestres montes, ásperos penedos
Compostos de concerto desigual;
Sabei que, sem licença de meu mal,
Já não podeis fazer meus olhos ledos.
E pois já me não vedes como vistes,
Não me alegrem verduras deleitosas,
Nem águas que correndo alegres vêm.
Semearei em vós lembranças tristes,
Regar-vos-ei com lágrimas saudosas,
E nascerão saudades de meu bem.
Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia o pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi negada a sua pastora,
Como se não a tivera merecida,
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida!