Nos Paços do Concelho, em Silves, encontra-se patente, até ao final do mês de fevereiro, a Exposição do Arquivo Municipal com o tema “Cruz de Portugal – Monumento Nacional “.
A exposição é acompanhada de fotografias e documentos.
Como habitualmente, o Terra Ruiva colabora com esta iniciativa do Arquivo Municipal publicando uma versão reduzida do texto da exposição. A versão integral encontra-se aqui: Exposição fevereiro
Cruz de Portugal – Monumento Nacional
A nascente da cidade de Silves, situada em direção ao Enxerim, junto à Estrada Nacional 124, no sentido Silves para São Bartolomeu de Messines, encontra-se um cruzeiro de incontestável beleza denominado Cruz de Portugal.
Esta obra, considerada como uma das mais belas peças escultóricas da arte gótica em Portugal, foi classificada como Monumento Nacional pelo Decreto de 16-06-1910.
Mede cerca de 3 metros de altura e ostenta um elaborado trabalho escultórico e decorativo, revelando traços do formulário gótico florido / manuelino. É feita em calcário branco-amarelado, pouco resistente e muito poroso, e composta por uma coluna lavrada que serve de apoio a uma espécie de púlpito onde assenta a cruz decorada por elementos vegetalistas e geométricos. Numa das faces representa a figura de Cristo Crucificado e na outra uma Pietá, ou Lamentação sobre Cristo morto, com Cristo descido da Cruz e nos braços de sua Mãe.
No que respeita à data de construção e da localização original deste cruzeiro são muitas as dúvidas. Uma data a ser levada em conta refere-se ao período compreendido ao reinado de D. João I (1385-1433), em inícios do século XIV, por este monarca ter determinado a substituição de muitos cruzeiros de madeira que andavam em perigo de desaparecer por inconsistência do material, dispersos pelo país, por outros de pedra.
A cronologia mais aceite é a que remonta aos finais do século XV e início do século XVI, por esse ser o período áureo do uso do estilo gótico flamejante. O facto de ser esculpida em calcário branco-amarelado, um tipo de calcário inexistente no Algarve, revela que a cruz não era daqui originária. O próprio nome “Cruz de Portugal” sugere que poderá ter sido trazida do Norte ou do Centro do País para o reino do Algarve, bem como, pode ter sido encomendada por portugueses e/ou para Portugal, uma vez que os próprios elementos figurativos não são muito recorrentes no país.
Na época de D. Afonso V (1438-1481) a sua armada real, vinda da tomada de Arzila e Tanger, chegou a Silves a 17 de setembro de 1471. O rei foi calorosamente recebido pelos silvenses e como forma de agradecimento poderá tê-lo presenteado com a oferta da cruz que traria a bordo, uma vez que determinou a realização de inúmeras obras em Silves, todavia é mais uma tese sem consistência.
A hipótese mais lógica e consensual, carecendo de validação, aponta para que a Cruz de Portugal tenha sido construída no tempo do rei D. Manuel (1495-1521) que a ofereceu à cidade de Silves por ocasião da sua visita em 1499, aquando da transladação para o Mosteiro da Batalha dos restos mortais do seu antecessor, o rei D. João II, falecido na vila de Alvor, a 29 de outubro de 1495, e sepultado na Sé de Silves.
De facto, os elementos escultóricos que a compõem, um Cristo crucificado numa face e na retaguarda uma Pietá, são características comuns a outros construídos pela mesma altura e uma representação tremendamente utilizada no período manuelino. Estes elementos relacionam-se com a morte e com o ato piedoso de sepultar os mortos. Deste modo, a cruz haveria sido doada a Silves e implantada para assinalar tão clemente ato.
Porém, são tudo hipóteses, bastante frágeis e sem qualquer validação. Segundo o autor Pinho Leal, na obra Portugal Antigo e Moderno refere que “os inglezes já a cubiçaram, pelo esmero do seu trabalho, e tentaram leval-a; mas o povo oppoz-se a esta pretensão”, tal como a cruz se distinguia do restante casario devido aos seus seis metros de altura, incluindo o pedestal, constituindo, assim, um ponto de referência para os habitantes e até para os forasteiros.
No seu livro, Atravez de Silves, Pedro Paulo Mascarenhas Júdice faz referência ao carácter religioso da Cruz “era vulgar notar grande numero de pessoas irem ali orar, principalmente em dias de sexta feira da quaresma. Algumas vezes uma philarmonica ia tocar para aquelle recinto”.
Segundo aquele autor, em 1824, a Câmara colocou-lhe a base de pedra calcária que ainda hoje a sustém.
A Cruz foi transladada para vários locais. No final do século XIX encontrava-se no largo, a noroeste da cidade, junto à estrada que vai para São Bartolomeu de Messines.
Em 1940, por ocasião do restauro da Sé de Silves, o monumento é deslocado para o largo existente entre a Sé e o Castelo. Nesta nova localização o Cristo Crucificado ficou virado para o alçado Norte da Sé enquanto a Nossa Senhora amparando o corpo de seu filho (Pietá) defronte para o Castelo.
No ano de 1943, para evitar a deterioração e proteção da Cruz, foi construído um alpendre telhado, bem como elevado o pedestal onde assenta o cruzeiro.
Em 1953 procedeu-se à reconstrução do alpendre. Foi igualmente colocado um gradeamento de ferro, impedindo a entrada no telheiro.
Em 1957 é reposta no local original. No que respeita à orientação o Cristo Crucificado encontra-se a Oeste, virado para a cidade, enquanto a Pietá a Este, virada para o Enxerim.
Em 1982 procedeu-se à limpeza e reparação do telhado do alpendre e outros trabalhos, de acordo com as indicações prestadas pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (SIPA).
No início de 1995, a Câmara de Silves providenciou a recuperação da iluminação da Cruz de Portugal.
No final da década de 1990, a Câmara procedeu à demolição da casa, conhecida como casa do coveiro, que ficava ao fundo do Largo da Cruz de Portugal. O largo ficou assim mais amplo e sem o característico edifício que ali se encontrava desde finais do século XIX e que figura na maioria dos postais e fotografias alusivas à Cruz de Portugal.
O largo tem sofrido ao longo dos anos diversas modificações no que respeita à zona envolvente. Durante muitos anos foi um espaço ajardinado, sendo até comum irem ali tirar fotografias por ocasião de casamentos.
No início do século XXI, procedeu-se à construção do Palácio da Justiça e com isso a Cruz passou a ter um novo enquadramento, deixou de ser um espaço ajardinado encontrando-se toda esta zona coberta de gravilha. Em setembro de 2015 começaram as obras de arranjo urbanístico desta área ( que ainda decorrem).
Todavia, apesar do valor incontestável e fragilidade do monumento não foi ainda encontrada uma solução que ponha fim ao estado de erosão precoce e de irreversível deterioração. Devido à fragilidade do calcário onde foi esculpida encontra-se em estado de desagregação, com algumas fissuras, faltam-lhe já alguns fragmentos de pedra e o relevo das figuras e dos ornamentos está muito desgastado. A agressividade dos agentes externos, nomeadamente, a humidade atmosférica, a chuva e a poluição são também principais agentes corrosivos do monumento que necessita de intervenção de modo a preservar-se uma das mais belas peças escultóricas do património algarvio.
Reza ainda a tradição que à Cruz de Portugal estão ainda associadas duas lendas/mitos. Uma que ao seu autor foram amputadas ambas as mãos para que não fizesse mais nenhuma obra igual e a outra associada à transladação, pois das duas últimas vezes, as pessoas que o fizeram faleceram pouco tempo depois.