Há cerca de cinco anos, não sendo possível chegar a Silves vindo de Lisboa a pé, nem sequer a cavalo como D. Sanches no antigo tempo da conquista, vim naturalmente de carro, a um domingo de manhã. Sou filho de Silves, a ela volto sempre durante diversos períodos, e posso por isso testemunhar que outrora, ao entrar, ali era com alegria que parava muitas vezes pelo caminho, ao encontrar amigos, novos e velhos. Não eram casos festivos nem circunstâncias inusitadas. Era a vida ao ar livre, passeios, trajectos de naturais rotinas. Era a presença salpicada da comunidade, aberta, entre lugares e passos mansos.
No ano passado, também num domingo de manhã, entrei em Silves pelo lado do Palácio de Justiça e do cemitério, rodando na direcção da praça do Município. E logo senti que a população, por mais dispersa que fosse surgindo, parecia, isso sim, ter-se evadido da cidade: não encontrei um único ser humano (aliás nem cães nem gatos), desde a Cruz de Portugal até ao número 48 da Rua 25 de Abril.
Durante aquele memorável dia, mesmo a outras horas, e apesar dos sinos da igreja, os passos que fui gastando pelas calçadas muito degradadas e pelos granitos difíceis de pisar, cumpriram um passeio nostálgico, sem gente à vista, imagem quase mítica da decadência e da desertificação do país. E é verdade que isso se verifica em muitas regiões de um interior, quilómetros sobre quilómetros.
Dias mais tarde, encontrando-me finalmente com um amigo da minha geração, decidindo com ele beber um café numa esplanada vazia, dei-lhe conta da minha perturbação relativamente à cidade. Ele começou a rir em gargalhadas redondas. Perguntei-lhe qual era a graça. O homem tornou-se sério e disse: «Tens razão. Não é caso para rir. Talvez mais próximo para se ficar triste. É verdade que a cidade foi muito abandonada por diversas emigrações, as pessoas envelheceram, deixam-se ficar em casa. Mas imagina que precisas de resolver um problema no Tribunal ou tens que procurar um amigo na zona histórica, perto do castelo, ou ainda que precisas de fazer uma deslocação até um centro de vendas, tão longe da tua casa como o Tribunal. E tu vives, aliás desde há muito, junto das Escolas antigas.
Se não tivesses carro nem táxis à disposição, e atendendo à tua idade, o que fazias?
Fiquei pasmado. Nunca tinha pensado na questão nesta perspectiva.
Disse: «Não fazia nada. Ou chamava os bombeiros.»
«Aí tens o deserto. Não é da contemporaneidade, nem de estruturas urbanas com tais configurações. Silves precisa, urgentemente (até pelo turismo), de três ou quatro sequências de transportes de reduzida escala, eléctricos, com paragens fixas e zonas facultativas, rodando por toda a via central e avenida marginal, além de outros que façam algo de semelhante, da baixa para norte, até ao castelo, e voltando em bolsa até ao parque sul, de estacionamento. Sem isto, todas as mortes sedentarizam tudo.