ROUBOS
Em tempo de uma sociedade semeada de violência, onde os valores morais se medem pela ganância do dinheiro e pela força do poder, e os anseios, as dores, a vivência das pessoas se resumem à mera frieza dos números ou à lógica controversa das estatísticas, é normal estabelecer-se com alguma frequência diálogos à volta de crimes, de roubos e de desgraças de todo o género.
O que vos vou contar passou-se durante um almoço onde predominava a meia e a terceira idade, e o tema surgiu por mero acaso, naquele momento em que cada um não tem mais nada para dizer ao outro e qualquer tema serve para preencher o tempo para não ficarem, calados, uns a olhar para os outros.E o tema foi, exactamente, histórias sobre roubos.
Uma vez – dizia um cavalheiro, com grande vivacidade – no aeroporto de não sei aonde, passou por mim um fulano, tirou-me a mala que tinha ao ombro e desatou a correr p’lo meio da multidão. Fui atrás dele sem pensar no perigo que corria, pois nestas alturas é sempre possível que o ladrão possa estar armado e, na circunstância, poder ser atingido. A verdade é que o fulano desapareceu sem dar a perceber por se meteu. Apenas consegui encontrar, adiante, a mala no chão, mas, claro, despojada dos valores”. “Olhe, a mim – ripostou uma senhora que o ladeava – certo dia estava numa caixa multibanco, e mal saiu a dinheiro pela ranhura, senti alguém no meu lado como se fosse interpelar-me. Olhei e, de repente, senti outra do lado oposto pegar no dinheiro e desaparecer. Agarra que é ladrão! Agarra que é ladrão! Gritei. Ninguém se preocupou. Tudo ficou impávido e sereno. E, perante o meu desespero, os dois gatunos perderam-se da minha vista sem deixar rasto”. “A mim – avançou outra senhora – aconteceu bem pior. Ia no passeio e um fulano mal-encarado acercou-se de mim, puxou o fio de ouro que tinha ao pescoço e desatou a correr. Nem tive tempo de reagir. Desapareceu sem conseguir ver por onde se meteu. Ainda fiquei com o pescoço ferido pelo puxão…”.
Eu, que nestas situações opto normalmente por esconder-me por detrás do silêncio e prefiro ouvir e ficar calado, achei, naquela altura, que também podia intervir. E também contei a minha história: “Pois eu, nessas coisas de roubos, sou muito mais sofisticado. Os ladrões que me têm roubado são muito finos. E antes de ser roubado, têm a de me avisarem pelo Diário da República!… É isso. Roubado por decreto. Em forma de lei. Levam-me o dinheiro, e tenho de ficar calado. Filhes dum mouche!…”