Publicado na edição nº 13 / Maio 2001
Uma necrópole e uma nesga de um povoado importante estão a ser alvos de um trabalho de escavação e investigação no serro da Portela de Messines, justamente no traçado por onde correrá a futura auto-estrada Lisboa/ Algarve.
Ironia do destino. No cimo do serro, num local onde a vista alcança o mar e ultrapassa a serra, 10 séculos de história encontraram-se e o passado fez parar as máquinas. Apenas temporariamente. A história tem mostrado que o progresso é implacável. As ossadas estão a ser levantadas dos túmulos, e as casas que um dia foram lares serão estudadas e destruídas. A auto-estrada não pode parar, é preciso fazer chegar rapidamente ao Algarve mais meio milhão de turistas para entupirem as estradas, acotovelarem-se nas praias, secarem no hospital e desesperarem juntamente com os residentes habituais. Mas essa é uma outra história.
No Serro da Portela o tempo tem um valor relativo. Está lá uma necrópole para nos fazer lembrar disso mesmo. E umas pedras que um dia foram casa, espaços que foram pátios, casas que fizeram parte de uma importante povoação do período islâmico, entre os séculos X e XII, construído numa conhecida rota islâmica. O secretismo que tem rodeado toda esta operação, lança sobre esta descoberta um outro véu.
São dois sitio limetrofes, muito arborizados e com algumas hortas. Propriamente os Comoros da Portela teem um especial valor para os estudos dos antiquarios” isto escrevia Ataíde de Oliveira, na “Monografia de São Bartolomeu de Messines” editada em 1909. Uma atenção a este local perto da vila de Messines, também já tinha sido dada por Estácio da Veiga, um dos primeiros arqueólogos que o Algarve conheceu.
Quando se sobre que o traçado da auto-estrada iria cortar o Serro da Portela, há alguns meses, um morador do local alertou o nosso jornal para umas “histórias” que os avós lhe contavam, falando de “coisas muito antigas” naquele local.
O que coincidia com um excerto do estudo de impacte encomendado previamente pela Brisa: “ O Sublanço S. Bartolomeu de Messines /VLA irá afectar estruturas arqueológicas cronologicamente atribuíveis aos períodos entre o pré-histórico e o medieval/moderno, consideradas potencialmente importantes (Vale Romeira, ao km 0,70, Portela 1 ao km 1,45, Portela 3 ao Km 1,70, Purgatório ao km 10,10, S.Vicente 1 ao km 10,60 e Castelinho ao km 11,20). Dado que se tratam de estruturas cujo valor só pode ser aferido após escavações arqueológicas específicas, o impacte negativo associado foi qualificado de provável, e de magnitude entre moderada a elevada.”
Uma visita que fizemos posteriormente ao local, revelou-nos que tinham sido feitos trabalhos de investigação. No terreno eram perfeitamente visíveis vários locais, onde tinham sido feitas escavações superficiais.
O Terra Ruiva iniciou então uma série de contactos com vista a apurar mais pormenores sobre essa investigação sem que tivéssemos obtido qualquer resultado concreto. Quase dois meses depois, chegou o alerta à nossa redacção: “estão a fazer escavações no Serro da Portela, descobriram lá coisas importantes, até as obras pararam naquele troço e ninguém fala sobre isso”.
Uma nova visita ao local revelou um cenário completamente diferente. Cerca de duas dezenas de pessoas trabalhando em duas colinas distintas: numa onde foi encontrada a necrópole e noutra onde se encontrou o povoado.
Que povoado era este? Quem o habitava? Sabe-se que esta região foi ocupada desde tempos muito remotos. Mas o povoado agora descoberto data da época islâmica, entre os séculos X a XII, numa primeira apreciação. Seria uma povoação importante, situada num sítio estratégico que permitia observar o mar e a extensa cordilheira algarvia. Por aqui passava uma conhecida rota islâmica que conduzia a Silves.
Os vestígios encontrados, surpreendentemente quase à superfície, não adiantam muito. O amontoar sistemático de pedras traduz-se em paredes, uma parte delas destruídas, talvez pelos arados. Alguns cacos foram encontrados e recolhidos, a fim de serem reunidos e estudados. Mas, ao que apurámos, nada de muito significativo tem sido encontrado- além, evidentemente da descoberta da existência do próprio povoado.
Um pouco à frente, os vestígios são um pouco mais elucidativos. Na altura da nossa visita, tinha sido recolhida quase uma dezena de esqueletos, de ossos secos, retorcidos, praticamente iguais a galhos secos, que se confundiam ao nosso olhar inexperiente.
Na altura, os esqueletos estavam a ser levantados da terra e retirados em caixas. É um trabalho de paciência e também de alguma perícia. Depois de localizados, os esqueletos têm que ser protegidos do sol e retirados rapidamente, para evitar a sua degradação. Pelo seu estudo, será possível saber muitas coisas sobre os homens e mulheres que habitavam esta povoação.
Mas isso só saberemos um dia. Eventualmente. Sem que se compreenda bem porquê, tanto mais que se trata de uma escavação paga por uma empresa pública, as dificuldades em obter informação foram muitas.
No local, as duas arqueólogas responsáveis pelas escavações informaram-nos que não estão autorizadas a prestar informações, remetendo para a Brisa. Também Pedro Barros, da delegação de Silves do Instituto Português de Arqueologia nos disse não possuir muitos elementos sobre esta escavação, adiantando que o “povoado era uma cidade não fortificada, bastante significativa, referida em fontes escritas” e que mais pormenores poderão ser conhecidos através do “ relatório obrigatório” que os responsáveis pelas escavações terão que entregar no final dos trabalhos.
Segundo Pedro Barros, o IPA está a acompanhar as escavações, mas as suas “competências não se inserem na parte de investigação mas apenas na gestão do património”, e confirmou que irá haver uma “destruição controlada” dos vestígios encontrados e que a Brisa terá que apresentar um “registo total e integral” de todos os trabalhos efectuados.
Ao que apurámos, a ideia que existe é que os vestígios encontrados, depois de estudados, serão entregues ao Museu Municipal de Silves, que deverá decidir qual o destino final. Que esse destino final fosse um museu a criar em Messines, não seria de certeza uma má ideia.
Mas faz-se aqui ainda uma outra chamada de atenção: a parte do povoado que será estudada e destruída é apenas uma das “pontas” da povoação. A parte principal, ainda ali está, à espera que outros poderes se interessem pela sua descoberta. É um dado adquirido que a Brisa irá limitar a sua acção exclusivamente na zona abrangida pela auto-estrada.
A outra parte ali ficará, agora já não tão secreta, simplesmente à espera. Haverá vontade e meios?
Mais uma vez a historia se cruza no caminho do progresso, no reino dos Algarves. Não podemos deixar de valorizar e preservar de forma inteligente este valioso achado, para bem a nossa identidade cultural e afirmação como região com um historia riquíssima que precisa ser preservada e divulgada, favorecendo outro foco de turismo que não valorize apenas as praias e o sol.